Visitar ou não visitar – o impacto do turismo indígena

Tradução para o Português por Gustavo Pinto

Durante a última década, as viagens de aventura deixaram de ser menos sobre a adrenalina e mais sobre aprendizado de outras culturas e transformação pessoal. O turismo indígena, também conhecido como turismo étnico ou tribal, tem sido uma tendência particularmente crescente.

Para viajantes interessados ​​em uma interação significativa com outras culturas, esses programas podem ser muito gratificantes. No entanto, com o aumento rápido do volume de visitantes, foram levantadas questões sobre se é ético visitar as comunidades indígenas e quais as consequências que isso representa para a preservação dos estilos de vida e tradições nativas.

O turismo indígena é uma “atividade de turismo na qual os povos indígenas estão diretamente envolvidos, seja pelo controle e / ou por terem sua cultura como a essência da atração”. Hoje em dia, você não precisa procurar muito por operadoras de turismo e agências de viagens que ofereçam visitas a comunidades indígenas, com meios de transporte cheios de estrangeiros que são levados a visitar nativos em suas reservas ou aldeias.

Idealmente, os locais devem ser capazes de afirmar algum grau de controle em relação ao seu envolvimento com o turismo e devem obter claros benefícios econômicos disso. Infelizmente, na prática, muitas vezes, a menor parte da renda gerada a partir da atividade turística permanece nas comunidades. Há evidências crescentes de que as tribos estão sendo exploradas por aqueles chamados operadores turísticos que buscam lucros rápidos e fáceis.

As preocupações surgem também porque, em muitos casos, os visitantes somente esperam por aquela “fotografia perfeita” ao invés da genuína imersão cultural e engajamento comunitário. Críticos descrevem algumas visitas a comunidades indígenas como “zoológicos humanos”, onde os sujeitos são essencialmente levados a permanecerem em suas aldeias contra sua vontade e obrigados a usar roupas tradicionais e sorrir para fotos. Sua cultura sofre e sobra pouco tempo para sua vida corriqueira e costumes atuais. Seus vestidos e produtos estão em exposição para os turistas, mas na realidade o seu modo de vida, em muitos casos, estão há muito tempo desaparecidos.

Este pode ser o caso da comunidade Padaung (Karen), conhecidos pelo pescoço longo, perto de Chiang Mai, no norte da Tailândia, que faz parte do que é conhecido como ‘Thai Hill Tribes’. O aumento do turismo étnico tem sido enorme. Tanto é assim que é quase impossível encontrar pessoas “autênticas” de Padaung que estejam adornando seus pescoços com anéis de metal porque seus antepassados ​​fizeram isso – hoje normalmente o fazem porque sabem que vão lucrar com isso. Além disso, enquanto as mulheres Padaung e as crianças da aldeia vendem artesanato e posam para os turistas durante todo o dia, os homens na maioria dos casos não trabalham. Muitas vezes negligenciaram suas tradições agrícolas e as taxas de desemprego entre eles podem chegar a 90%.

 

 

“Zoológicos humanos”, ou “safáris humanos”, como são chamados em áreas mais remotas, são uma preocupação crescente em lugares como o Peru, onde operadores turísticos inescrupulosos estão lucrando com a exploração de tribos indígenas na selva amazônica. À medida que o turismo aumenta em torno da Reserva da Biosfera de Manú, perto de Cuzco, o mesmo acontece com o número de avistamentos relatados do Mashco-Piro – uma das cerca de 15 tribos isoladas no Peru e uma das 100 que restam no mundo. Isso é particularmente preocupante, já que qualquer tentativa de contato com essa tribo pode ter consequências graves – um simples resfriado (sua imunidade difere da “ocidental”) poderia colocar uma tribo inteira em perigo.

A América do Sul não está sozinha na luta. As operadoras de turismo das Ilhas Andaman, na Índia, estão oferecendo “safáris humanos” dentro da reserva de uma tribo Jarawa recentemente contatada, apesar das promessas do governo de proibir a prática. Turistas das Ilhas Andaman, na Índia, estão usando uma estrada ilegal para entrar na reserva da tribo Jarawa na esperança de “avistar” membros da tribo – não muito diferente de avistar animais selvagens em um safári… A Survival International enviou um e-mail para o governo indiano pedindo-lhes para fechar a estrada e parar os ‘safaris humanos’.

Por outro lado, alguns argumentam que o turismo étnico ajudou a promover uma maior conscientização sobre os povos indígenas, muitos dos quais enfrentam opressão, realocação forçada de terras e desafios à integração social e econômica. O afluxo de turistas também permitiu o florescimento das artes tribais tradicionais e do artesanato, o que muitas vezes significa uma fonte de renda adicional – ou a única – para a comunidade. As intrincadas máscaras feitas à mão do povo costarriquenho Boruca, por exemplo, ganharam fama internacional e facilitaram não apenas a autoconfiança econômica da vila, mas também a preservação desta arte.

Da mesma forma, os ceramistas Chorotega da aldeia de Guaitil, na Costa Rica, continuam criando sua cerâmica tradicionalmente queimada em fornos pré-colombianos. Algumas dessas peças de cerâmica são recriações dos objetos arqueológicos de seus ancestrais – o governo lhes fornece fotografias dos artefatos originais das coleções do museu nacional. Oficinas e organizações que mantêm este rico legado, transmitido de geração em geração, só são possíveis graças aos inúmeros viajantes que visitam a vila para experimentar esta viagem no tempo através da arte. As vendas da cerâmica de Guaitil tornaram-se a base econômica para sustentar toda a comunidade.

O debate não se aplica apenas a visitantes estrangeiros em feriados “exóticos” – a defesa da cultura nativa em lugares como o Canadá e os EUA é muito necessária também no nível do turismo doméstico. Na Austrália, por exemplo, o turismo indígena é uma maneira de os australianos não-originários ouvirem sobre os modos de vida dos aborígines e dos povos das Ilhas do Estreito de Torres. Como os povos nativos representam apenas cerca de 3% da população total do país, os australianos não-indígenas podem, sem querer, ter pouca consciência cultural, para não mencionar a ausência de interação. Experiências que formam um programa de reconciliação nacional incluem o compartilhamento de história e tradições através de passeios, promovendo alimentos nativos, artes, música e dança.

Apesar dos esforços, a divisão da cultura entre povos aborígenes e australianos não-indígenas não é fácil de superar. Uma das principais atrações turísticas do país – Uluru, ou Ayers Rock, no Parque Nacional Uluru-Kata Tjuta, é um exemplo disso. Um local sagrado para os nativos, escalar a rocha de Uluru viola sua cultura e crenças espirituais.

A subida não é proibida. Em vez disso, as autoridades locais decidiram simplesmente educar os visitantes sobre os riscos, de acordo com os ensinamentos ancestrais de Tjukurpa, para que eles possam tomar a decisão de não escalar por si mesmos. Felizmente, a abordagem foi bem-sucedida e o número de pessoas que escalou Uluru tem diminuído constantemente.

É um dilema bem conhecido pelo viajante: participar do turismo étnico e visitar as tribos porque elas dependem diretamente dele para se sustentar ou não visitar, a fim de evitar mais exploração. De fato, em muitos casos, a alternativa para os habitantes locais ganharem a vida é tipicamente a agricultura intensiva ou programas de assistência governamentais ou de ONGs. Como se vê, o debate é complexo.

Como sempre, “fazer a coisa certa” é uma questão de fazer pesquisas e questionamentos extensivos. Viajantes que desejam participar de alguma forma de turismo indígena (que não seja o  envolvimento com tribos não contatadas – que são altamente desencorajadas) precisam se informar sobre a comunidade que desejam visitar e se certificar de que tarifas vão diretamente para beneficiar os povos indígenas. No nível institucional: os governos precisam agir para proteger as comunidades indígenas com a legislação; ONGs com campanhas de conscientização; os operadores turísticos precisam seguir um código estrito de conduta.

Existem empresas de turismo éticas e responsáveis. Em geral, os melhores passeios são aqueles em que pequenos grupos ou indivíduos vão com a intenção de pernoitar na comunidade, pois tendem a gerar uma renda mais sustentável. As casas de família são uma verdadeira imersão cultural e muito provavelmente uma experiência para a vida inteira.

O “Next Step Thailand”, que oferece turismo étnico dentro do território das Tribos do Norte, oferece tais homestays e muito mais. Sua iniciativa “Share the Dream” (em Português “Compartilhe o Sonho”) foi criada para ajudar os moradores locais a levar uma vida melhor. Através do projeto, eles arrecadam fundos para as crianças das escolas locais e para equipamentos médicos básicos, bem como recrutam voluntários para ensinar Inglês nas comunidades remotas e para ajudar a reconstruir as escolas locais. Assim, participando de um programa com eles, você automaticamente ajuda as comunidades locais. Eles pretendem ajudá-los a se manter independentes e manter sua singularidade, ao mesmo tempo em que possibilitam aos turistas conhecer e entender sua cultura. Da mesma forma, um encontro significativo com o povo Karen pode ser organizado com a ajuda da “Rickshaw Travel”.

No Território do Norte da Austrália, a “Wuddi Cultural Tours”, uma operadora indígena, tem como objetivo manter viva a cultura aborígine local e transmitir o conhecimento para a próxima geração através de passeios personalizados para conhecer a área local e conectar os locais e artefatos às histórias de seu povo.

No sul do país, a “Bookabee “, 100% pertencente e operada por aborígenes, vai além de excursões étnicas destinadas a dar uma visão sobre a história e cultura tradicional dos povos originários da Austrália. Também oferece treinamento de conscientização cultural que aprimora e inspira o conhecimento dos participantes e incentiva os participantes a desafiarem seus valores e atitudes pessoais para promover uma melhor compreensão da Austrália aborígine. Ver a Austrália através dos olhos de um “primeiro australiano” fornece uma nova compreensão e dimensão da experiência.

Como o turismo indígena e o desejo de experimentar a vida nativa “autêntica” estão crescendo em popularidade em todo o mundo, temos que começar a nos perguntar se as consequências desta prática turística são mais prejudiciais do que benéficas. Ironicamente, quanto mais explorarmos estas culturas, mais a autenticidade procurada desaparece, e com ela uma preciosa herança.

Gabriela Sijer é uma das fundadoras do www.roomsforchange.com .

Gabriela Sijer
Gabriela Sijerhttps://www.roomsforchange.com
Mindful traveler. Sustainable tourism advocate. Photographer. Unique hotel hunter. Co-founder of Rooms for Change - hotel booking for those who care.

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